O processo penal é a área jurídica que mais utiliza a prova testemunhal. Quando um crime é cometido sem deixar vestígios físicos, só resta às autoridades ouvirem as vítimas e testemunhas.
O depoimento de testemunhas e vítimas leva em consideração as lembranças que aquela pessoa tem do fato ocorrido. Após a instrução processual, o juiz analisará esses depoimentos juntamente com as alegações da acusação e da defesa e dará a sua sentença.
Considerando que o processo de consolidação de memórias não é linear e que podemos apresentar falhas de memória ao relatar um fato que consideramos verdadeiro, surge a seguinte questão: é possível um julgamento justo sem considerar as nuances do processo de consolidação da memória?
O estudo sobre o fenômeno das falsas memórias no contexto do processo penal é relativamente recente. A prova testemunhal no processo penal, muitas vezes, é a única a embasar não só a acusação, como também a condenação de um indivíduo, ante a ausência de outras provas.
Partindo-se do princípio que o processo penal é uma reconstrução do passado (crime) através dos relatos de vítimas e testemunhas, é possível ocorrer o sugestionamento ou a indução desses depoimentos através de perguntas acusatórias ou mesmo através da mídia, gerando as falsas memórias.
As falsas memórias podem surgir de forma espontânea, como resultado do funcionamento da própria memória da pessoa. Ou elas podem ser sugeridas, e, até mesmo, implantadas. Elas são criadas por uma falsa informação externa ao sujeito.
Essas influências externas podem ser classificadas em: sociais, neurobiológicas, cognitivas, emocionais e temporais.
As falsas memórias de influência social são aquelas originadas com base na cultura e valores de cada pessoa. Um fato é armazenado no cérebro do indivíduo após passar pelo filtro de sua cultura e valores, podendo ter nuance de pré-conceitos. Além disso, a linguagem e o subjetivismo do entrevistador ao fazer perguntas sugestionáveis provoca o aparecimento das falsas memórias. E por último, deve-se mencionar o papel da mídia para modificar as lembranças pessoais.
No quesito neurobiológico, a idade é um fator desencadeante de falsas memórias. As crianças têm menor probabilidade de terem falsas memórias se utilizado o procedimento correto para a recuperação adequada das lembranças. Os idosos são mais propensos a criarem falsas memórias, pois eles guardam apenas a essência dos acontecimentos, sem detalhes.
A personalidade é outra importante variável. Pessoas com alto grau de neuroticismo tendem a memorizar mais palavras de valência negativa. Elas têm uma cognição mais negativa e catastrófica, sendo mais influenciáveis por eventos negativos.
Estudos apontam que eventos com alta carga emocional podem gerar lembranças mais reais. Entretanto, os eventos emocionais não estão imunes às falsas memórias.
A passagem do tempo é um grande desencadeador de falsas memórias. O tempo processual é diferente do tempo social. Se o andamento do processo demorar, pode ocorrer esquecimento ou outros acontecimentos contaminarem a memória original do evento.
Diante do exposto, conclui-se que o conhecimento sobre as distorções da memória mostra caminhos a serem evitados pelos operadores do Direito.
E respondendo ao questionamento inicial, não é possível um julgamento justo sem levar em consideração os estudos sobre o funcionamento da memória humana.
Os estudos apontam que todos os indivíduos estão sujeitos a terem falhas no armazenamento de informações, sejam eles vítimas, testemunhas, réus, promotores, advogados ou juízes.
Fica evidente a importância da integração dos estudos entre Psicologia e o Direito como um todo, bem como a continuidade das pesquisas nesta área a fim de se evitar erros judiciários. Se você se interessa pela área, não deixe de conferir a pós graduação lato sensu que a Faculdade Volpe Miele – FVM oferece na área de Psicologia Jurídica!