Já falamos aqui no blog sobre as formas de atuação da Psicologia Jurídica, que considera sempre que todas as relações humanas são permeadas pela interação de estruturas psíquicas relevantes para a tomada de decisões, bem como para a expressão das vontades. A violência contra a mulher, sendo uma violação de direitos baseada no gênero de um indivíduo, também pode ser analisada por meio da interface entre Direito e Psicologia.
Trata-se de uma questão multifacetada, produto da interação entre o indivíduo, a família, e a comunidade com causas históricas e político-institucionais, e estando enraizada em uma cultura patriarcal e de relação de poder entre os gêneros.
O que caracteriza a violência contra a mulher?
A violência contra a mulher é definida como qualquer ação ou omissão, fundamentada no gênero, que cause morte; lesão; sofrimento físico, sexual, psicológico; ou dano moral ou patrimonial, sendo classificada em cinco formas diferentes de violência:
- Violência física: ato de bater, empurrar, morder, sacudir, mutilar, torturar e usar armas brancas ou de fogo para machucar a mulher;
- Violência psicológica: xingamentos, humilhações, ameaças, intimidações, críticas, desvalorizações, bem como a diminuição da autoestima e o uso dos filhos para fazer chantagem;
- Violência sexual: forçar qualquer tipo de contato ou relação sexual, impedir a prevenção da gravidez ou forçá-la, bem como forçar ou induzir o aborto contra a vontade da gestante;
- Violência patrimonial: controle, retenção ou retirada do dinheiro, instrumentos de trabalho, documentos pessoais e outros bens de direito;
- Violência moral: difundir mentiras sobre a vítima, ofendê-la em privado ou na frente de terceiros, expor a vida íntima do casal ou diminuir a vítima na frente de amigos e parentes.
A violência psicológica e a moral não deixam vestígios visíveis, porém, isso não significa que não demandem extenso cuidado e reconstrução da mulher que foi vítima.
Ciclo da violência
A convivência diária e privada do casal pode alimentar e perpetuar o vínculo agressivo. O ciclo da violência propõe três fases nesse tipo de relação: aumento da tensão, ato de violência e arrependimento.
Na primeira fase, há a ocorrência de pequenos incidentes e situações que, embora a princípio possam ser aceitos racionalmente, acabam por se acumular ao ocorrerem repetitivamente. No ato de violência, como é conhecida a segunda fase, há a perda de controle sobre as situações, ocorrendo agressões mais extremas. Na terceira e última fase, chamada de lua de mel, ocorre a reestruturação do relacionamento, com o pedido de desculpa da pessoa agressora, a culpabilização da vítima e a promessa de mudança.
A importância da conversa entre Direito e Psicologia: Estado e Políticas Públicas
O atendimento e acolhimento da mulher vítima de violência, apesar dos avanços recentes, ainda apresenta déficit devido à falhas no reconhecimento social de seu direito à justiça, o que promove e favorece as práticas discriminatórias em instituições policiais e judiciais. A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) é um dos principais marcos para o processo histórico de luta e construção dos direitos das mulheres no Brasil, abrangendo medidas judiciais e extrajudiciais com uma concepção de amplo acesso à justiça, além de um conjunto de políticas públicas estruturadas em três eixos: criminal, de proteção dos direitos e integridade física da mulher, e de prevenção e educação.
O Direito e a Psicologia devem andar de mãos dadas para cumprir com o que a legislação determina, trabalhando de forma multidisciplinar inclusive com a área da Saúde, humanizando o sujeito e enxergando a mulher para além da demanda que pode acontecer devido a alienação no processo de trabalho diário.
O psicólogo jurídico deve acolher a demanda, escutar abertamente, e encaminhar a vítima de forma responsável e efetiva, mantendo o acompanhamento pelos serviços de assistência social, saúde e até judiciais. O domínio sobre as leis existentes que dão suporte a essas mulheres é imprescindível para o sucesso e superação da mulher vítima de violência.
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